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Empatia Cognitiva x Empatia Afetiva: Duas Caras da Mesma Moeda

Empatia é um dos conceitos mais glamorizados da psicologia. Fala-se dela em escolas, empresas, campanhas publicitárias e discursos políticos como se fosse o cimento que mantém a sociedade unida. A ideia soa irresistível, se todos pudessem “se colocar no lugar do outro”, haveria menos violência, menos desigualdade, menos sofrimento. Mas essa narrativa, embora reconfortante, é simplista e até perigosa.


A ciência psicológica tem mostrado que empatia não é um fenômeno único, nem moralmente puro. Existem ao menos duas formas distintas de empatia, com bases cognitivas e emocionais diferentes: Empatia cognitiva é a habilidade de reconhecer e compreender o estado emocional de outra pessoa, ler microexpressões, interpretar contexto, inferir intenções. Empatia afetiva é a capacidade de ressoar emocionalmente com o outro, experimentar uma emoção congruente com a dele, sentir tristeza diante da dor alheia, alegria diante de sua vitória.


A distinção é mais que acadêmica. Ela tem implicações diretas na forma como entendemos a agressão, a manipulação e até a moralidade. Alguém pode ter empatia cognitiva elevada, entender perfeitamente o que o outro sente, e não experimentar nenhuma compaixão. Ainda pode usar essa habilidade para intensificar o sofrimento alheio, manipular decisões ou exercer controle psicológico. É assim que abusadores emocionais sabem exatamente o que dizer para desestabilizar suas vítimas, como líderes autoritários mobilizam massas explorando medos e inseguranças, e como manipuladores sociais calculam cada passo para obter vantagem.


A empatia afetiva, por outro lado, costuma promover comportamentos pró-sociais, aproximando as pessoas e motivando ações de ajuda. Mas também pode se tornar um fardo, profissionais de saúde, terapeutas e cuidadores podem sofrer de fadiga por compaixão quando se expõem continuamente à dor alheia sem estratégias de regulação emocional. Portanto, falar de empatia sem distinguir suas formas é correr o risco de romantizar uma habilidade que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Empatia Cognitiva

É, essencialmente, a capacidade de decodificar o estado mental do outro. Envolve perceber expressões faciais, tom de voz, postura corporal e contexto situacional para inferir o que alguém está sentindo ou pensando.


Essa forma de empatia é fundamental para a vida em sociedade. Ela nos permite antecipar reações, ajustar o comportamento para evitar conflitos e cooperar de forma mais eficiente. Uma boa empatia cognitiva melhora comunicação, negociações e até desempenho de equipes. Por isso, muitas empresas buscam desenvolver “inteligência emocional” em seus colaboradores, e essa habilidade costuma estar no centro dos treinamentos. Mas entender o que o outro sente não significa sentir junto, nem se importar. Empatia cognitiva é moralmente neutra, é uma ferramenta de leitura emocional, não um gatilho automático de compaixão.


Estudos mostram que indivíduos com traços maquiavélicos e psicopáticos primários podem apresentar empatia cognitiva preservada ou até acima da média. Eles conseguem perceber vulnerabilidades e emoções alheias com precisão, e usar essa informação de forma estratégica.


Na literatura científica, esse fenômeno é conhecido como empatia instrumental, a capacidade de “ler” o outro para atingir objetivos pessoais, mesmo que à custa do bem-estar alheio. Pesquisas indicam que indivíduos com alto maquiavelismo podem relatar prazer ou satisfação diante de sinais de vulnerabilidade de outras pessoas, o que potencializa comportamentos de exploração.


Outro dado interessante, pessoas com psicopatia primária frequentemente apresentam baixa resposta emocional (baixa empatia afetiva), mas alta habilidade cognitiva de entender o que os outros sentem. Esse perfil é particularmente perigoso, porque combina leitura emocional com frieza, se tornando um “radar” de vulnerabilidades sem o freio moral que impediria causar dano. Empatia Afetiva

Se a empatia cognitiva é sobre entender, a empatia afetiva é sobre sentir. É a capacidade de experimentar uma emoção congruente com a vivida pelo outro, sentir tristeza ao ver alguém chorar, ficar aflito diante do sofrimento alheio ou se alegrar com o sucesso de um amigo. Essa forma de empatia é mais visceral e automática, envolvendo áreas cerebrais relacionadas à percepção de dor e emoção, como a ínsula anterior, o córtex cingulado anterior e a amígdala.


A empatia afetiva é a base da compaixão. Ela gera motivação para ajudar, proteger e restaurar o bem-estar do outro. Quando vemos alguém machucado e sentimos um aperto no peito, é a empatia afetiva que nos empurra para agir. Esse mecanismo é evolutivamente adaptativo, em sociedades ancestrais, a capacidade de responder ao sofrimento de membros do grupo aumentava a coesão social e, portanto, a sobrevivência coletiva.


Estudos mostram que quanto maior a ativação neural nas regiões ligadas à empatia afetiva, maior a probabilidade de que o indivíduo se engaje em comportamento altruísta, mesmo que isso tenha custo pessoal.


Porém, quando a empatia afetiva é intensa e não acompanhada de regulação emocional, pode levar a sobrecarga emocional e fadiga por compaixão. Profissionais da saúde mental, médicos, enfermeiros e cuidadores são especialmente vulneráveis, onde sentir continuamente a dor do outro pode gerar esgotamento, sintomas depressivos e distanciamento emocional como mecanismo de defesa.


Outro ponto importante: alta empatia afetiva sem empatia cognitiva pode gerar respostas desorganizadas, a pessoa sente, mas não entende o que fazer. Isso pode levar à paralisia, à evitação da situação ou a reações exageradas que não ajudam de fato.


Empatia é um conjunto de processos distintos, e a maneira como eles interagem define se ela será fonte de conexão ou de controle. Quando empatia cognitiva e empatia afetiva trabalham em conjunto, temos o que se costuma chamar de empatia plena. Nesse estado, a pessoa entende a emoção do outro (cognição), sente junto (afeto) e consegue regular suas próprias reações para agir de forma útil. Esse é o cenário ideal, em que o profissional de saúde que entende o sofrimento do paciente, sente compaixão por ele, mas mantém clareza suficiente para agir de forma eficaz.


Alta Empatia Cognitiva + Baixa Empatia Afetiva

A pessoa entende perfeitamente o que o outro sente, mas não compartilha o afeto, ou seja, não sente compaixão nem desconforto. Essa dissociação é encontrada com frequência em indivíduos com traços psicopáticos primários e maquiavelismo elevado.


Estudos mostram que esses indivíduos têm boa leitura de sinais emocionais (especialmente expressões de medo e vulnerabilidade), mas exibem menor ativação em áreas cerebrais ligadas à empatia afetiva, como a amígdala.


Alta Empatia Afetiva + Baixa Empatia Cognitiva

No extremo oposto, encontramos pessoas que sentem muito, mas têm dificuldade de compreender ou organizar o que sentem. Elas são emocionalmente permeáveis, sofrem junto, mas não têm clareza do que o outro precisa ou de como agir de forma assertiva. Esse perfil está associado a sensibilidade excessiva, ansiedade social e, em alguns casos, comportamentos de evitação.


O cenário mais adaptativo é o que combina empatia cognitiva + empatia afetiva + regulação emocional. Entender o outro, sentir junto e manter clareza para agir de forma útil. Essa tríade é o que sustenta relacionamentos saudáveis, liderança ética e comportamentos altruístas eficazes. Quando esse equilíbrio se rompe, seja pela ausência de compaixão ou pelo excesso de ressonância emocional, o resultado pode ser perigoso para quem sente e para quem está ao redor. E é justamente aqui que se abre espaço para a reflexão sobre a empatia, sozinha, não ser garantia de moralidade ou bondade.


Empatia Instrumentalizada

Quando entendemos que a empatia cognitiva é uma habilidade de leitura emocional, percebemos que ela é moral e eticamente neutra, pode ser usada para ajudar ou para ferir. Manipuladores, abusadores e líderes nocivos costumam ter excelente empatia cognitiva. Eles percebem nuances no comportamento alheio, identificam medos, inseguranças e desejos, e usam essa informação para direcionar o comportamento da vítima.


Um exemplo clássico é o gaslighting, onde o agressor percebe exatamente quando a vítima está confusa ou fragilizada e aproveita para distorcer a realidade, minando sua percepção. Ele “mede” o impacto de suas palavras e ajusta a narrativa até que a pessoa duvide de si mesma.


Em relacionamentos abusivos, esse uso instrumental da empatia permite ciclos de reforço intermitente, em que o agressor sabe quando dar atenção ou carinho para manter a vítima ligada emocionalmente, e quando retirar esse afeto para puni-la. Não se trata de falta de empatia, mas de empatia usada com intencionalidade destrutiva.


No nível coletivo, líderes autoritários e propagandistas exploram emoções de grupos inteiros. Eles identificam medos (econômicos, culturais, existenciais), inflamam ressentimentos e oferecem narrativas que prometem segurança, geralmente à custa de um inimigo comum. Aqui, a empatia cognitiva funciona como um radar populacional, em perceber o que a maioria sente, onde dói, o que indigna, e transformar isso em discurso. O resultado é mobilização em massa, nem sempre para causas éticas.


Em contextos extremos, como interrogatórios coercitivos ou tortura psicológica, a empatia cognitiva é usada para identificar pontos de ruptura de uma pessoa. Saber exatamente o que ela mais teme ou valoriza permite infligir sofrimento máximo com mínimo esforço. Esse é um exemplo extremo, mas ilustra de forma clara que empatia sem ética pode se transformar em arma de alta precisão.


A crença de que “quem tem empatia é bom” cria vulnerabilidade social. Faz com que ignoremos sinais de manipulação apenas porque a pessoa parece sensível ou sabe ouvir. Na prática, alguns dos maiores manipuladores são justamente os que aparentam maior capacidade de compreender o outro, porque usam essa habilidade para ganhar confiança antes de explorar. Empatia é uma ferramenta cognitiva e emocional, podendo ser usada para construir ou para destruir. Uma pessoa pode compreender profundamente o que o outro sente, sem sentir absolutamente nada, e ainda assim ser capaz de usar esse conhecimento para explorar, manipular ou ferir.


Quando vista dessa forma, a empatia cognitiva deixa de ser apenas um “atributo humano” e se torna uma competência estratégica. Saber ler o estado emocional do outro, identificar medos, desejos, vulnerabilidades e motivações é uma habilidade poderosa. É o que permite ao negociador adaptar seu discurso para chegar a um acordo, ao terapeuta calibrar a intervenção no ponto exato da dor, ao líder mobilizar um grupo em torno de uma causa.


Essa habilidade pode ser desenvolvida de forma consciente. Usar empatia cognitiva estrategicamente não é manipulação quando o objetivo é construtivo. É uma forma de protagonismo social, compreender o tabuleiro, prever reações, escolher quando avançar, quando recuar e quando sustentar o silêncio. Essa é a essência de uma leitura social inteligente, uma que não se deixa paralisar por emoções excessivas nem é cega às necessidades do outro.


O grande desafio não é “ter mais empatia”, mas integrar a empatia cognitiva com princípios éticos e regulação emocional, criando uma ponte entre o que entendemos, o que sentimos e o que escolhemos fazer com isso. É transformar a capacidade de leitura emocional em ferramenta de conexão, negociação e resolução de conflitos, sem abrir espaço para o abuso de poder.


No fim, empatia não deveria ser apenas sobre sentir ou entender, mas sobre agir. O futuro das relações humanas, seja na clínica, na política, na liderança ou na vida cotidiana, pode depender da nossa capacidade de usar empatia como estratégia de construção de vínculos e não como mecanismo de manipulação. A chave está em assumir o controle dessa ferramenta, usá-la de forma deliberada e alinhada a valores que promovam crescimento.

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