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O Mito da Empatia como Antídoto da Violência

A empatia é frequentemente tratada como essencial para a convivência humana e como a chave para um mundo menos violento. Costuma ser apresentada como um freio interno para comportamentos agressivos, um mecanismo emocional capaz de impedir que alguém cause dor ao outro. A ideia parece lógica, quem sente a dor do outro naturalmente evitaria causá-la.


Manuais diagnósticos descrevem a baixa empatia como o cerne de transtornos como conduta, personalidade antissocial e narcisismo. Em ambientes clínicos e prisionais, programas de reabilitação incluem o “treinamento de empatia” como estratégia para reduzir reincidência criminal, partindo do pressuposto de que restaurar ou fortalecer a empatia é suficiente para inibir impulsos agressivos.

Porém, pessoas com alta empatia cognitiva podem usar sua habilidade de ler emoções para manipular, humilhar ou ferir de forma mais eficaz, transformando empatia em arma. Além disso, pesquisas em neurociência, psicologia social e análise do comportamento mostram que fatores como impulsividade, histórico de trauma, contexto cultural, regulação emocional e reforço social exercem um peso significativo sobre a probabilidade de que um ato agressivo ocorra.


Ao reunir dados de 86 estudos e mais de 17 mil participantes, Vachon, Lynam e Johnson (2013) investigaram se níveis baixos de empatia estavam realmente associados a maior agressividade. O resultado demonstrou uma relação fraca, quase desprezível em alguns casos, e pouco afetada por variáveis demográficas como idade, sexo ou condição criminal.


Revisão Teórica

A ideia de que empatia funciona como freio moral para a agressão é antiga e profundamente enraizada na psicologia. Modelos de socialização e teorias do desenvolvimento moral colocam a empatia no centro da regulação do comportamento, sendo a capacidade de perceber e compartilhar o estado emocional do outro, o que impediria o indivíduo de causar dano. Essa concepção foi reforçada ao longo das décadas, ao ponto de a empatia se tornar um critério diagnóstico em diversos transtornos ligados a comportamentos antissociais.


Empatia como Controle Interno

Quando alguém é capaz de se sensibilizar com o sofrimento alheio, seu próprio impulso agressivo é punido de forma vicária, o mal-estar gerado pela emoção do outro inibiria a ação hostil (Hare, 1993). Essa hipótese foi especialmente influente nas teorias sobre psicopatia, que descrevem indivíduos violentos como frios, insensíveis e desprovidos de remorso.


Tipos de empatia

Empatia cognitiva, sendo a capacidade de entender o que o outro sente, reconhecer expressões emocionais e antecipar reações. Empatia afetiva, sendo a capacidade de compartilhar ou ressoar emocionalmente com o outro, sentindo emoções de valência semelhante.


Essa distinção é crucial porque cada uma dessas dimensões se relaciona de forma diferente com a agressão. Déficits na empatia afetiva são considerados centrais na psicopatia, enquanto a empatia cognitiva pode, paradoxalmente, ser usada para manipular e ferir de forma estratégica, se tornando uma habilidade útil para quem quer causar sofrimento de maneira calculada.


A promessa do Treinamento de Empatia

A crença no papel protetivo da empatia levou à criação de programas de reabilitação em prisões, medidas socioeducativas e escolas, nos quais módulos de “conscientização da vítima” são considerados essenciais. De fato, estima-se que mais de 90% dos programas de tratamento para agressores sexuais incluam treinamento de empatia como elemento central (McGrath et al., 2010). No entanto, revisões sistemáticas demonstram que essas intervenções produzem ganhos pequenos, instáveis e com impacto modesto sobre a reincidência criminal (Day, Casey & Gerace, 2010).


O grande equívoco dessa visão é reduzir o fenômeno da agressão a uma única variável emocional. A agressão é multifatorial, dependendo de impulsividade, traços de personalidade (ex.: hostilidade, busca de sensações), aprendizado de reforço, contexto social e até variáveis biológicas, como funcionamento amigdalar e regulação do eixo HPA (Anderson & Bushman, 2002). Concentrar-se somente na empatia pode produzir uma falsa sensação de controle e negligenciar fatores críticos para o comportamento violento.


Discussão

Os resultados desmontam a crença de que “falta de empatia” é o motor principal da violência. Se fosse, esperaríamos correlações muito mais altas, especialmente em crimes violentos e sexuais, mas o dado encontrado beira a irrelevância estatística.


Se a correlação é tão baixa, o simples aumento de empatia em programas de intervenção dificilmente produzirá uma redução significativa na reincidência criminal. Isso ajuda a explicar por que treinamentos de empatia em prisões e centros socioeducativos mostram impacto limitado e, muitas vezes, temporário.


A violência é melhor explicada por uma combinação de fatores, envolvendo impulsividade e baixa regulação emocional, que dificultam inibição de respostas agressivas, aprendizado social, como modelos de violência familiar ou comunitária que normalizam comportamentos agressivos, motivação instrumental, quando a agressão é usada para obter vantagem ou poder (não por falta de empatia, mas por escolha estratégica) e traços de personalidade, como hostilidade, sadismo cotidiano e impulsividade. Esses elementos são mais preditivos do comportamento agressivo do que o simples nível de empatia.


O paradoxo da empatia cognitiva

A empatia cognitiva, a capacidade de compreender o que o outro sente, pode em algumas situações facilitar a agressão, permitindo que o agressor cause dano de forma mais precisa ou psicológica. Manipuladores e abusadores emocionais costumam ter boa leitura emocional de suas vítimas, o que torna sua violência mais eficaz e difícil de detectar.


Os resultados indicam que a empatia pode continuar sendo trabalhada, mas como componente complementar, não como pilar único em tratamentos de controle de agressividade.

Intervenções mais eficazes provavelmente exigem treino de regulação emocional e manejo da raiva, desenvolvimento de habilidades sociais para resolver conflitos sem violência, reestruturação cognitiva de crenças hostis ou distorcidas, além de trabalho motivacional, para alterar valores e metas pessoais que sustentam a agressão.


Conclusão

A ideia de que empatia é um antídoto natural contra a violência é atraente, mas infelizmente não é verdadeira. A meta-análise de Vachon, Lynam e Johnson (2013) mostra que o vínculo entre empatia e agressão é fraco demais para sustentar toda uma política de prevenção e reabilitação baseada nesse único pilar. A agressão humana é um fenômeno complexo, moldado por impulsividade, contexto social, aprendizado, traços de personalidade e objetivos conscientes.


Reduzir violência exige enfrentar o problema em sua complexidade. Isso significa combinar intervenções que desenvolvam autocontrole, regulação emocional, habilidades sociais e reestruturação cognitiva. Empatia pode continuar a ser incentivada, mas não como escudo moral infalível, e sim como uma ferramenta entre muitas outras.


Referências Bibliográficas

Anderson, C. A., & Bushman, B. J. (2002). Human aggression. Annual Review of Psychology, 53(1), 27–51. https://doi.org/10.1146/annurev.psych.53.100901.135231

Blair, R. J. R. (2005). Applying a cognitive neuroscience perspective to the disorder of psychopathy. Development and Psychopathology, 17(3), 865–891. https://doi.org/10.1017/S0954579405050418

Hare, R. D. (1993). Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us. The Guilford Press.

Hare, R. D. (2003). Manual for the Hare Psychopathy Checklist–Revised (2nd ed.). Multi-Health Systems.

McGrath, R. J., Cumming, G. F., Burchard, B. L., Zeoli, S., & Ellerby, L. (2010). Current practices and emerging trends in sexual abuser management: The Safer Society 2009 North American survey. The Safer Society Press.

Day, A., Casey, S., & Gerace, A. (2010). Interventions to improve empathy awareness in sexual and violent offenders: Conceptual, empirical and clinical issues. Aggression and Violent Behavior, 15(3), 201–208. https://doi.org/10.1016/j.avb.2009.12.003

Vachon, D. D., Lynam, D. R., & Johnson, J. A. (2013). The (Non)Relation Between Empathy and Aggression: Surprising Results From a Meta-Analysis. Psychological Bulletin, 140(1), 1–27. https://doi.org/10.1037/a0035236


Russo, G. C. (2025). O mito da empatia como antídoto da violência. Giulia Russo | Psicologia Científica. Brasil.

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